Problematizando O Diagnóstico De Transtorno De Déficit De Atenção Com Ou Sem Hiperatividade
Alexandra Ayach Anache (alexandra.anache@hotmail.com)
Ieda Maria Munhós Benedetti (iedabene@terra.com.br)
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Os transtornos da aprendizagem têm sido objeto de nossos estudos e pesquisas há alguns anos. Acompanhamos uma série de avaliações de crianças que eram encaminhadas com suspeita de algum problema de natureza orgânica, que poderia justificar seus fracassos escolares. Entre as justificativas para esses encaminhamentos, estava atribuir a elas o diagnóstico de distúrbio de aprendizagem. Em tempo: leia-se que esse é um conceito adotado na década de 1980 a 1990, fundamentado no pensamento médico, para se referir a uma doença individual de natureza endógena (orgânica), que não pode ser confundido com incapacidade de aprendizagem.
Johnson & Myklebust (1987) adotaram dois critérios para definir distúrbios de aprendizagem. O primeiro se relaciona às integridades gerais, e o segundo, às deficiências na aprendizagem (desempenho acadêmico), não incluindo as seguintes patologias: deficiência mental, paralisia cerebral, deficiência visual, auditiva e perturbação emocional. Segundo os autores, existem crianças que possuem dificuldades para aprender a ler, a escrever, a falar, a calcular, etc, porém que não são deficientes mentais, não apresentando perturbações emocionais e déficit sensorial.
Oficialmente, existem diversas definições de distúrbios de aprendizagem, entre elas a proposta no Congress by Advisory Commitee on Handicapped Children (1969) e endossada pelo National Joint Comittee for Learning Disabilities (EUA, 1981), que o consideram como o termo como genérico, envolvendo um grupo heterogêneo de problemas que podem ser decorrentes de dificuldades na aquisição e no uso da audição, da fala, da leitura, da escrita, do raciocínio ou das habilidades matemáticas. Tais alterações são intrínsecas às pessoas. Embora possam ocorrer em conjunto com outras deficiências, entre elas a visual, a mental, a auditiva e ainda as de origem social e emocional, ou de influências ambientais (diferenças culturais, instrução insuficiente/inadequada, fatores psicogênicos), não resultam diretamente destas condições ou influências.
Moysés e Collares (1992) analisaram as proposições supramencionadas e concluíram que a última, embora pretendesse ser mais objetiva e precisa, era a mais abrangente e imprecisa, por incluir outras categorias antes excluídas pela primeira definição, permitindo assim que qualquer criança que apresente problemas em seu processo de escolarização seja enquadrada naquela categoria. Nesse sentido, a dificuldade em realizar o diagnóstico continua, ou seja, ainda incluí ou excluí categorias, permanecendo a dificuldade ,sobretudo, em saber, por exemplo, por que uma criança aparentemente "normal" não está conseguindo alfabetizar-se?
O D.S.M. IV (1995) utilizou o termo transtornos de aprendizagem ao invés de distúrbios de aprendizagem, incluindo os fatores culturais e étnicos, como se toda pessoa que divergisse culturalmente estivesse predestinada a ser um "portador" do referido problema. Observa-se ainda a tendência em patologizar toda e qualquer dificuldade de aprendizagem e a consideração, como um único parâmetro de diagnóstico, do quociente de inteligência. Com isso, o peso do fracasso quase sempre recai sobre a criança.
Atualmente adota-se a seguinte classificação: transtorno da aprendizagem, envolvendo leitura, matemática, expressão escrita e transtornos de aprendizagem sem outra especificação; transtorno das habilidades motoras, que incluem transtorno do desenvolvimento da coordenação; transtornos da comunicação: linguagem expressiva, transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva, transtorno fonológico, tartamudez, transtorno da comunicação sem outra especificação; transtornos invasivos do desenvolvimento, que incluem problemas de ordem emocional e psicopatológicos; transtornos de déficit de atenção e de comportamento diruptivo, que envolvem déficit de atenção / hiperatividade; e transtornos de conduta.
Ao TDA/H, está associado um grande número de comorbidades. A pesquisa realizada por Newcorn e Halperin (2000) descreveu as seguintes comorbidades e sua prevalência associada: comportamentos disruptivos – transtorno opositivo-desafiador e transtorno da conduta (35 a 65%); depressão (15 a 20%); transtornos de ansiedade (25%); transtorno de aprendizagem (10 a 25%); e abuso de drogas (9 a 40%); problemas relacionados com comportamento disruptivo, agressividade e delinqüência.
A abrangência conceitual acabou se tornando uma "faca de dois gumes", porque se o objetivo era orientar os profissionais em relação ao diagnóstico, pode-se perceber que isso está fracassando, pois antes de olhar a criança, olha-se a classificação para tentar enquadrar o sujeito. Enquadrando a criança, dificulta-se a transformação do espaço escolar. E tanto a escola como a criança acabam introjetando a "doença".
Deparamo-nos ainda com o aumento das estatísticas de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDA/H). Arriscamo-nos a afirmar que essa pode ser uma das desordens/transtornos mais comuns na infância, perfazendo um total de 3% a 5% de crianças em idade escolar. Vasconcelos, Werner, Malheiros, Lima, Santos e Barbosa (2005) informaram que de 403 crianças avaliadas, 108 delas apresentaram o referido transtorno. A equipe de jornalismo da Rede Globo, em 2006, indicou um aumento de 940% da venda de metilfenidato, que é a droga usada no “tratamento do TDA/H”, número suficientemente alarmante e que merece pesquisas. A Secretaria Municipal de Educação da cidade de Presidente Prudente – SP registrou (2006) que aproximadamente 70% dos alunos encaminhados para o sistema de apoio psicopedagógico público municipal foram associados a esse tipo de transtorno.
Podemos suspeitar que o TDA/H agregou alguns conflitos humanos que se expressam de diversas formas, como por exemplo, problemas de aprendizagem acadêmica, ingestão de substâncias psicoativas, distúrbios de condutas/comportamentos, delinqüência, entre outros já mencionados por Newcorn e Halperin (2000).
Em uma primeira análise, podemos afirmar que, contraditoriamente, a sociedade exclui para incluir. Explicando melhor: a adaptação dos sujeitos a um modelo de escola é resolvida com o uso de medicamentos. O aluno considerado problema é banido do sistema e incluído de forma marginal. A queixa escolar figura como a grande “vedete” das clínicas e alvo dos diagnósticos. Algumas palavras tornam-se modais e banalizadas: carência afetiva, problemas de aprendizagem, hiperatividade, déficit de atenção, vide Amaral (2007), Argolo (2003), Ballone (2002) e Silva (2003).
Estas informações motivaram Benedetti (2007) e Anache (2007) a estudarem o assunto em referência, com o objetivo primordial de analisar os fundamentos do conceito Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, vez que esse é constituído na sociedade contemporânea que se organiza nos ditames do capital. A Epistemologia Qualitativa permitiu-nos problematizar os encaminhamentos dos alunos com as respectivas características, a partir dos seus diagnósticos, quando identificamos que a subjetividade dessas pessoas era silenciada. Esta perspectiva metodológica compreende o conhecimento como uma construção, como algo que não está disponível de forma acabada, o que exigiu das pesquisadoras o garimpo de várias fontes de informações, determinantes no acúmulo de referências sobre o assunto em pauta.
Considerando que a realidade agrega campos inter-relacionados que são independentes de nossas práticas, mister se faz nos aproximarmos desse sistema, para construirmos um outro/novo campo de realidade, à qual nos integramos com nossas experiências. Assim, além da análise das produções acadêmicas desenvolvidas sobre TDA/H, as histórias dos alunos, as entrevistas com profissionais da área médica, da educação e com os gestores das Secretarias de Saúde e de Educação foram fundamentais para estabelecermos uma interlocução entre singular e universal.
Em uma primeira análise, deparamo-nos com um conjunto de referências produzido por especialistas das áreas de saúde e de educação, embasadas em um modelo de ciência positivista, as quais se mostraram limitadas para a compreensão dos processos subjetivos das pessoas que foram indicadas como portadoras do TDA/H. Faz-se necessário considerar que as novas demandas econômicas, políticas e culturais que determinam a organização da sociedade impõem novos ritmos, inclusive de aprendizagem e de desenvolvimento, e têm forçado os sistemas educacionais a arquitetarem outros modelos de educação.
Essa compreensão tem nos exigido maiores aprofundamentos sobre as diferentes formas de manifestação dos escolares e a prescrição em massa de medicamentos. Dentre eles, o mais destacado pelos especialistas como sendo eficaz no tratamento do TDA/H é o anabolizante metilfenidato, que, assim como os demais anabolizantes, produz alguns efeitos desejáveis para a adaptação do aluno à escola, pois melhora a sua disposição e a qualidade da sua atenção. Em que pese esse benefício para o sucesso acadêmico dos alunos, sabemos dos efeitos deletérios do consumo desses anabolizantes: quando utilizados por um longo período de tempo, perdem a sua eficácia e requerem gradativamente doses maiores, para a obtenção do mesmo resultado.
Há consenso dos especialistas da área sobre a indicação do uso deste medicamento para alunos que apresentaram qualquer um dos sintomas descritos anteriormente, além disso, temos noticiais extra-oficiais sobre o uso abusivo do metilfenidato para melhoria das condições de aprendizagem, as quais nos permitiram indagamos sobre a pertinência do uso massificado dessa substância, bem como de seus efeitos para a aprendizagem das pessoas que dele se utilizam.
Alertamos ainda que o modelo de diagnóstico empregado para avaliar tais transtornos não oferece visibilidade para a construção de indicadores sobre os sentidos subjetivos constituídos pela pessoa na sua condição de “problemático”, de “desajustado”, dentre outros adjetivos baseados em um único padrão de referência de sujeito, de sociedade e de educação.
Referências
AMARAL, A; GUERREIRO, M. Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade: proposta de avaliação neuropsicológica para diagnóstico. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, São Paulo, v. 59, n. 4, 2001.Disponível em: . Acesso em: 04 fev. 2007.
ARGOLLO, N. Transtornos do déficit de atenção com hiperatividade: aspectos neurológicos. Psicologia Escolar e Educacional, Campinas, v. 7, n. 2, 2003. Disponível em: Acesso em: 27 de setembro de 2006
BALLONE, G. Distúrbio de Déficit de Atenção por Hiperatividade. Psiq.Web. Psiquiatria Geral, 2002. Disponível em: . Acesso em: 23 jan. 2007.
BENEDETTI, I. M. M.Transtorno de Déficit de Atentenção e os (des)caminhos do sujeito contemporâneo. Campo Grande, 2007. Relatório para Exame de Qualificação para o Doutorado, sob orientação de Anache, A. A. Programa de Pós Graduação em Educação, Centro de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
JOHNSON, D. J. E MYKLEBUST, H. R. Distúrbios de Aprendizagem. São Paulo: Pioneira, 1987.
LIBÂNEO, J. C. Pedagogia e pedagogos, para quê? São Paulo: Cortez. 1998.
MANUAL de DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICA de DISTÚRBIOS MENTAIS
D.S.M. IV - R. (Tradução: Dayse Batista; revisão técnica: Alceu Fillman; Consultoria: Miguel R. Jorge). Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
MOYSÉS, Maria Aparecida A. ;COLLARES, Cecília A. L. A história não contada dos distúrbios de aprendizagem. Cadernos Cedes, n. 28, p. 31-47, Campinas, Papirus, 1992.
SILVA, A. Mentes inquietas: entendendo melhor o mundo das pessoas distraídas, impulsivas e hiperativas. São Paulo: Gente, 2003.
VASCONCELOS, M. WERNER, MALHEIROS, A., LIMA, D SANTOS, I.,
BARBOSA, J. Contribuição dos fatores de risco psicossociais para o transtorno do déficit de atenção/hiperatividade. Arquivos da Neuro-psiquiatria, São Paulo, v. 63, n. 1, 2005. Disponível em Acesso em: 02 fev. 2007.
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